CBMAL

MEMóRIAS DE UMA CATáSTROFE

  • 08/02/15
  • 21:02

Elogiado pelo governador em solenidade, bombeiro relembra enchentes de 2010 que assolaram Murici 

Rafael Calheiros 

Durante a solenidade militar de passagem de comando geral do Corpo de Bombeiros Militar de Alagoas (CBM/AL), no início de janeiro, um fato chamou a atenção dos bombeiros: o primeiro discurso do governador Renan Filho para a tropa. Na ocasião, o governador exaltou o trabalho de cada militar e até declarou que se sentiu bombeiro por um dia. 

Cenário catastrófico em Murici: rio sobe e destrói tudo 

Em seu discurso, deixou a “cola” de lado e saiu um pouco do protocolo. Lembrou das enchentes de 2010 que assolaram Murici, quando ele era prefeito da cidade. O governador elogiou a atuação de todos os bombeiros durante a tragédia e narrou com detalhes aquele fatídico dia que trouxe desespero para muitas pessoas em todo o Estado. Citou um caso em particular que não saiu de sua memória. A atuação de um bombeiro destemido que não mediu esforços para ajudar as pessoas desesperadas com o cenário catastrófico de Murici: o soldado Heubert Guimarães. Nossa reportagem procurou o bombeiro para relembrar sua atuação nas enchentes de 2010, uma das piores tragédias registradas em nosso Estado. 

Governador Renan Filho elogia soldado durante solenidade no Corpo de Bombeiros, em janeiro

ENCHENTES DE 2010

“Eu me recordo que muitos bombeiros estavam de prontidão porque as previsões eram de chuvas intensas em todo o Estado. Os bombeiros de folga estavam em escalas de sobreaviso. Quando foi uma sexta-feira a noite meu telefone tocou. Era o comandante do Grupamento de Salvamento Aquático (GSA), na época, convocando todos os guarda-vidas porque algumas cidades estavam inundadas e tinha muita gente desaparecida. Prontamente fui para o GSA”. 
 
Guimarães conta que embarcou na viatura com 20 bombeiros em direção a Branquinha e Santana do Ipanema. “Chegando em Branquinha tinha um efetivo inicial bom, em torno de 40 bombeiros de outros grupamentos de Maceió”. 
 
“Em um rápido briefing no local, o coordenador da operação em Branquinha, Major Buriti, ressaltou a deficiência de equipamentos, sendo imprescindível uma guarnição retornar até Maceió para pegar equipamentos para salvamentos”, conta.
 
“Foi quando eu e o sargento Lyra Neto nos voluntariamos para buscar os equipamentos. Retornamos para Maceió. Quando nos dirigíamos para Branquinha, já no sábado de manhã, ficamos presos no caminho, nas proximidades de Murici, porque o nível do rio tinha aumentado muito e nos deixou ilhados. Ficamos sem ter o que fazer com diversos equipamentos e embarcações. Neste momento encontramos com o governador Renan Filho, que na época era prefeito de Murici. Ele não estava conseguindo ter acesso à cidade. Então tivemos a ideia de colocar uma embarcação às margens do rio para tentar o acesso subindo o rio”, conta. 

Lojas de comércio destruídas em Murici

“Enquanto o sargento Lyra Neto ficou guardando as viaturas e equipamentos, eu embarquei com o prefeito e um pescador desbravando a correnteza. O cenário era catastrófico: tinham animais mortos, pedaços de casas, eletrodomésticos e muitos escombros. A correnteza era muito forte e havia um risco enorme”. O soldado conta que a subida demorou aproximadamente 30 minutos. “Eu estava muito tenso porque estava com o prefeito e não podia acontecer nenhum imprevisto. O prefeito foi muito corajoso ao embarcar e subir rio acima para chegar em Murici. Quando chegamos, eu era o primeiro bombeiro no local”. 

O soldado conta que a população ficou mais esperançosa quando viu o prefeito chegar com um bombeiro. O acesso à cidade só estava sendo por helicóptero. “Foi quando o prefeito se dirigiu para o campo do Murici para ter mais informações e falou pra eu continuar com o meu trabalho. Quando olhei ao meu redor via gente em cima de telhados, de árvores... Muitas vezes desde o dia anterior, sem ter como sair, e sem informações de parentes. Comecei a fazer resgates com a ajuda do pescador enquanto a equipe do Major Buriti não chegava ao local”. 

O dia foi longo para os bombeiros. Guimarães conta que só nesse primeiro momento conseguiu resgatar mais de quarenta vítimas. “Fiquei muito feliz ao final do dia porque não tínhamos informações de óbitos num primeiro momento. As informações que chegavam de pessoas que estavam desaparecidas a gente estava conseguindo encontrar e resgatar”. 

Bombeiros e voluntários separam donativos para cidades afetadas

ESTRAGOS

A Defesa Civil estadual contabilizou na época cerca de 4 mil pessoas desabrigadas só em Murici. A enchente destruiu o cartório, posto de saúde, escolas, além de várias casas na parte baixa da cidade que fica às margens do rio Mundaú. Devido à destruição a cidade ficou temporariamente sem energia elétrica, sem água para consumo e sem comunicação por telefones fixos. 

As enchentes em Alagoas e Pernambuco ocorreram em junho atingindo os rios Una, Sirinhaém, Piranji, Mundaú e Canhoto. Mais de 30 municípios dos dois estados declararam situação de emergência. As chuvas causaram 47 mortes e deixaram mais de 80 mil desabrigados nos estados de Pernambuco e Alagoas, segundo dados do Wikipedia. 

A tragédia teve repercussão internacional. O presidente Lula anunciou a disponibilização de R$ 550 milhões em verbas para a recuperação dos danos. O ex-ministro de Comunicações João Santana chegou a declarar em nota que a destruição em Alagoas foi uma das maiores catástrofes do Brasil. 

SURPRESA

“Fiquei muito surpreso quando soube que o governador citou o meu nome para toda a tropa naquele dia. Não fui escalado para a formatura, mas os companheiros me disseram que se sentiram representados pela valorização do trabalho. Os bombeiros que trabalham na operacionalidade estão no mesmo barco. Passamos pelas mesmas dificuldades, mesmos anseios, e quando um tem o trabalho reconhecido é como se todos se sentissem representados” disse. 

DIA MARCANTE

“Na vida de bombeiro nos deparamos com muitas ocorrências marcantes, certamente essa é uma das mais significativas que eu atuei. Tenho certeza que também foi marcante para o governador Renan Filho porque ele viu a sua cidade completamente inundada e o desespero no olhar de cada pessoa. Ele contava em detalhes esse dia quando visitou o nosso quartel no começo de janeiro (durante a troca de comando)”. 

Soldado Heubert Guimarães durante treinamento na Barra de São Miguel, em janeiro de 2015

PERFIL 

Heubert Guimarães tem 27 anos e é soldado desde 2006 no Corpo de Bombeiros. Ele conta que surgiu a oportunidade de prestar um concurso público para os bombeiros em 2006 e ele não perdeu a oportunidade. Tornou-se o primeiro militar da família após concluir o Curso de Formação de Praças. Em seguida, foi trabalhar no extinto Grupamento de Socorros e Emergência (GSE) com resgate e atendimento pré-hospitalar. 

Participou de diversas ocorrências envolvendo traumas, principalmente em acidentes de trânsito. Ficou no Grupamento de Socorros e Emergência até 2009, quando surgiu a oportunidade de realizar um curso de especialização pelo Corpo de Bombeiros: o Curso de Salvamento no Mar (CSMar). Após a conclusão do curso, foi transferido para o Grupamento de Salvamento Aquático, uma paixão antiga que finalmente se tornou realidade. O guarda-vidas também concluiu o curso de especialização em primeiros socorros, em 2011, e de salvamento veicular, em 2009.